quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Amor-perfeito-bravo


Amor-perfeito-dos-jardins, Viana do Castelo (Abril 2007)

Obtidos a partir da planta espontânea Amor-perfeito-bravo, Viola tricolor L., os Amores-perfeitos são frequentemente utilizados em jardinagem. Várias espécies, subespécies e variedades, muitas delas híbridas, têm sido criadas pela imaginação dos jardineiros, originando flores vistosas e exuberantes, de uma só cor ou com diferentes matizes. De fácil cultivo e resistentes às intempéries, podem apresentar uma floração invernal e primaveril ou estival e outonal, o que significa que podemos apreciar a sua beleza ao longo de quase todo o ano. Por estas características o Amor-perfeito é tão popular nos nossos canteiros.

                                        O amor-perfeito
                                        O amor-perfeito perfeito,
                                        perfeito, perfeito não é.
                                        Ainda agora o vi piscar
                                        o olho à lava-pé.
                                        Poema de Jorge Sousa Braga, em Herbário, Assírio & Alvim, Setembro 2009


Amor-perfeito-dos-jardins, Viana do Castelo (Abril 2007)

Um pouco da sua história
Planta muito polimorfa, o Amor-perfeito-bravo é espontâneo nas zonas temperadas da Europa e Ásia, encontrando-se em terrrenos cultivados ou não de quase todo o território nacional. Tem uma aparência mais singela do que o seu parente cultivado, apresentando flores delicadas e mais pequenas. É também designado por Amor-perfeito, Amor-perfeito-pequeno, Amor-perfeito-bastardo, Erva-da-Trindade, Flor-da-Trindade, Violeta-dos-campos, Violeta-dos-prados, Violeta-de-três-cores, Violeta-brava, Pensamento, Pensamento-silvestre, Trinitaria, ... Medicinalmente utiliza-se a espécie Viola tricolor L., principalmente as subespécies vulgaris (Koch) Oborny e arvensis (Murray) Gaudin (só esta última podemos encontrar em Portugal). Pertence à família das Violaceae.

O Amor-perfeito deve o seu nome à sua antiga utilização na preparação de elixires do amor, sendo muito referido na literatura e poesia românticas. Foi imortalizado por Shakespeare na sua peça de teatro Sonho de uma Noite de Verão, na qual, o seu suco colocado nas pálpebras de uma pessoa a dormir vai fazer com que ela se apaixone pela primeira pessoa que vir ao acordar! Já no século XIX, os franceses iniciaram o ritual de oferecer um bouquet de Amores-perfeitos à sua noiva.
O nome Erva-da-Trindade faz alusão às suas três pétalas simbolizando a Santíssima Trindade.
E, a designação Pensamento, porque a forma das suas pétalas faz lembrar um rosto humano, ligeiramente inclinado para a frente, como se estivesse mergulhado em pensamentos, em profunda contemplação.

Uma antiga lenda alemã conta-nos como o Amor-perfeito perdeu o seu perfume: "Há muitos, muitos anos, o Amor-perfeito crescia nos campos e florestas e tinha um aroma de tal modo perfumado que as pessoas o colhiam, deixando os campos devastados. Sem erva nos campos para se alimentarem, as vacas morriam de fome... Perante esta constatação, o Amor-perfeito rezou para desistir do seu perfume. O seu pedido foi atendido e o Amor-perfeito ficou sem o seu aroma perfumado, os campos tornaram-se viçosos e as vacas voltaram a engordar!" Para melhor compreendermos esta lenda, talvez seja útil referir que o Amor-perfeito é parente muito próximo de uma outra espécie, a Violeta ou Violeta-de-cheiro (Viola odorata L.).

Amor-perfeito-dos-jardins, Viana do Castelo (Abril 2007)

Como planta medicinal, o Amor-perfeito-bravo foi muito apreciado na Idade Média, utilizando-se como laxativo e depurativo.
A partir do Renascimento passou a ser também utilizado no tratamento de doenças de pele, quer em uso interno quer em uso externo, sendo tradição tomar uma infusão e nela embeber uma compressa para aplicar sobre a pele.
John K'Eogh, doutor em teologia e naturalista irlandês, faz referência no seu Herbário Irlandês (1735) às flores do Amor-perfeito-bravo: curam convulsões infantis, limpam os pulmões e o peito e são muito boas para febres, inflamações e feridas internas.

Dizem os populares que, dando-lhes uma infusão fria, os pombos-correio voam mais depressa.
As flores são comestíveis e podem ornamentar cubos de gelo, saladas ou saladas de frutas.


Amor-perfeito-dos-jardins, Viana do Castelo (Abril 2007)
Parte utilizada
Partes aéreas floridas, secas ou frescas (mais activas). As dosagens abaixo indicadas são para a planta seca (fresca seria maior quantidade).

Composição
Em fitoterapia, os efeitos terapêuticos de uma planta resultam da sinergia dos seus constituintes. No entanto, a investigação realça o ácido salicílico e seus derivados, ácidos fenólicos, flavonóides (violantina, rutina), mucilagem, taninos.

Acções medicinais
Uso interno
Depurativa, tem ação diurética, laxante e sudorífica. Febrífuga. Anti-inflamatória, devido à inibição das prostaglandinas. Antioxidante. Peitoral, acalma a tosse e facilita a expectoração. Anti-reumática. Emoliente, suaviza os tecidos inflamados, e cicatrizante. Alivia a comichão. Anti-séptica e antifúngica. Antiespasmódica. Tónica.
A raiz é emética, podendo provocar náuseas e vómitos.
Uso externo
Anti-inflamatória e antioxidante. Emoliente, suaviza os tecidos inflamados, e cicatrizante. Alivia a comichão. Anti-séptica e antifúngica.

Indicações terapêuticas
Uso interno
Afeções cutâneas (crosta láctea dos lactentes, acne, acne juvenil, eczema, psoríase, ictiose, erupções alérgicas, urticária, herpes simplex, impetigo, tinha, ...). Afeções das vias respiratórias (tosse, tosse convulsa, faringite, bronquite, contipação). Gota e reumatismo. Como diurético. Na obstipação.
Em medicina popular é também utilizado no sarampo e escarlatina.
Uso externo
Afeções da pele (crosta láctea dos lactentes, acne, eczema, psoríase, ictiose, urticária, seborreia, verrugas cutâneas). Para aliviar o prurido. Estrias e rugas da pele, pele seca. Afeções reumáticas.


Amor-perfeito-dos-jardins, Viana do Castelo (Abril 2007)

Como tomar
Uso interno
Infusão: 1 colher de chá por chávena de água fervente. Tomar 3 chávenas por dia.
Pode ter bons resultados como depurativa nas afeções cutâneas, mas o tratamento exige perseverança e deve ser prolongado por algumas semanas. Os resultados podem demorar 2 semanas a ser sentidos. Pode haver alguma exacerbação dos sintomas antes da cura completa.
Maceração: 3 a 5 colheres de chá por caneca de água bem quente, em maceração durante a noite. De manhã, ferve-se, coa-se e adiciona-se açúcar e 1 chávena de café de leite. Tomar em jejum, durante 2 a 3 semanas. Na crosta láctea dos lactentes.
Uso externo
Cozimento: 60 gramas por litro de água. Em banhos, lavagens e compressas.

Receita: Pomada de Amor-perfeito-bravo
          60 gramas de partes aéreas floridas secas de Amor-perfeito-bravo (ou 120 gramas se frescas)
          500 gramas de vaselina
Coloca-se a vaselina numa tigela de vidro e derrete-se em banho-maria. Junta-se o Amor-perfeito-bravo e ferve em lume brando cerca de 1 hora, mexendo sempre. Por fim, coa-se por uma gaze, espremendo bem, e deita-se num boião. Depois de arrefecer tapa-se e guarda-se no frigorífico.
Indicações: Aplicar topicamente nas erupções cutâneas.

Precauções
Planta bem tolerada nas doses indicadas, não são conhecidas contra-indicações nem efeitos secundários. No entanto, a urina pode adquirir um odor fétido.
Doses elevadas podem provocar náuseas e vómitos.

Amor-perfeito-dos-jardins, Odemira (Maio 2006)

Observações
O Amor-perfeito cultivado, conhecido por Amor-perfeito-dos-jardins, Erva-serática ou Flor-serática, Viola tricolor x hortensis e Viola x wittrockiana (talvez o mais utilizado), embora menos ativo tem as mesmas propriedades e pode ser utilizado para os mesmos fins.
A Violeta ou Violeta-de-cheiro, Viola odorata L., possui menor quantidade de derivados salicílicos pelo que não deve ser utilizada em sua substituição.

A Farmacopeia Portuguesa 9 (2008, Ed. Infarmed), inscreve a monografia de partes aéreas floridas, secas, de Viola tricolor L. e / ou de Viola arvensis Murray. É ainda de referir a monografia da Comissão E Alemã (da German Federal Office for Phytotherapeutic Substance).

Este blogue apenas pretende sensibilizar para a observação das plantas medicinais e divulgar a sua utilização, não tendo a intenção de promover a auto-medicação nem a colheita de espécies.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Hipericão

Hipericão, Av. da Abelheira, Viana do Castelo (Maio 2007)

Planta muito cosmopolita, o Hipericão não escolhe continentes nem países. Originário da Europa e Ásia Ocidental encontra-se atualmente nas regiões temperadas de vários continentes. Em Portugal cresce por todo o território, sendo muito frequente encontrá-lo em terrenos incultos, nas margens das estradas e dos caminhos, formando moitas amarelas, compactas e vistosas. Gosta de locais solarengos.

Os seus muitos nomes comuns reflectem a sua popularidade e abrem-nos uma grande janela para a sua utilização que, à luz dos conhecimentos atuais, melhor podemos compreender. Utilizado medicinalmente há 2000 anos, simboliza a protecção.


Um pouco da sua história
Também conhecido como Erva-de-São-João, Hipérico, Hipericão-vulgar, Hipericão-bravo, Hipericão-europeu, Hipericão-Kneipp, Hipericão-milfurada, Milfurada, Malfurada, Pericão e Pelicão, o Hipericão é uma planta da família das Clusiaceae (Guttiferae ou Hypericaceae), e uma das mais de 370 espécies do género Hypericum distribuídas pelo mundo. O seu nome botânico atual é Hypericum perforatum L.

As suas pequenas folhas são orladas de inúmeros pequenos pontos translúcidos (sem clorofila), visíveis em contraluz, dando a impressão de que estão furadas. Esta particularidade deu origem aos nomes populares de Milfurada ou Malfurada, bem como à designação da espécie (perforatum). Na realidade, o que podemos observar através destes pequenos pontos são glândulas que segregam um óleo essencial cor de rubi.

O nome Hypericum deriva do grego, hyper (sobre, excesso) e eikon (imagem), sugerindo-nos algo que está para além da imagem, da realidade, e reportando-nos para um certo misticismo. Ainda antes do Cristianismo já o Hipericão era utilizado para afastar os maus espíritos, tradição que perdurou ao longo dos séculos.

Pormenor das flores amarelas de Hipericão,
em forma de estrela e com numerosos estames compridos
Av. da Abelheira, Viana do Castelo (Maio 2007)

Os Assírios designavam-no por Piri, e penduravam-no por cima das portas para afastar os espíritos malignos. Na Idade Média, em grinaldas ou amuletos e colocado em diferentes locais estratégicos, o Hipericão era utilizado em rituais para garantir colheitas abundantes, proteger o gado de doenças, defender as casas dos incêndios, garantir a pontaria das armas dos soldados ou proteger as mulheres dos violadores. Acreditava-se que o seu poder era tão grande que até afugentava os demónios que assaltavam vítimas inocentes, o que originou uma outra designação para a planta, Fuga daemonum.

Sobre o nome Erva-de-São-João várias são as lendas. É no dia de S. João (24 de Junho) que se encontra em plena floração e em que são feitas as melhores colheitas. Consta que, é nesta altura que a planta apresenta a sua ótima composição assegurando os maiores benefícios. É também no solstício de Verão, que as energias do dia e da noite se equilibram, e a partir do qual se intensificam os raios de Sol que afugentam o mau tempo, a escuridão e o mal...
Outra lenda diz-nos que os primeiros missionários cristãos dedicaram a planta a S. João Batista fazendo-a sangrar no aniversário da sua decapitação. Uma outra, conta-nos que o Hipericão nasceu do sangue derramado por S. João Batista quando foi decapitado. De facto, quando a planta é triturada liberta um líquido avermelhado (óleo essencial). Outra lenda ainda, refere que este líquido avermelhado simbolizava o sangue derramado por Cristo.

Medicinalmente, a utililização do Hipericão remonta à Antiguidade Clássica, tendo sido usado pelos médicos da Grécia e Roma antigas para cicatrizar feridas. Alcançou grande protagonismo na Idade Média, sendo referido no Manuscrito de Salerno, De Simplici Medicina, da autoria de Platearius (séc. XII).
Paracelso, médico, filósofo e alquimista suiço do século XVI, escreveu: "É impossível encontrar-se um remédio melhor para as feridas em qualquer outro país". Pensa-se que também o utilizou para o humor, a hiperexcitabilidade e a melancolia.
Faz parte do Bálsamo do Comendador de Pernes (séc. XVII). Justinus Kerner, médico e poeta alemão (1786-1862), referiu a sua utilização no início do século XIX no tratamento de perturbações do humor.

Pormenor das folhas de Hipericão
Av. da Abelheira, Viana do Castelo (Junho 2007)

Parte utilizada
Partes aéreas floridas.

Composição
Em fitoterapia, os efeitos terapêuticos de uma planta resultam da sinergia dos seus constituintes. No entanto, a investigação realça as naftodiantronas (hipericinas), os derivados do floroglucinol (hiperforinas), os flavonóides (hiperósido, rutósido, quercitrósido) e as proantocianidinas (catequina, epicatequina), os taninos e o óleo essencial. A hipericina é a responsável pela cor vermelha dos extratos de Hipericão.

Acções medicinais
Uso interno
Antidepressiva (tem como principal mecanismo de ação a inibição inespecífica da recaptação da serotonina, noradrenalina, dopamina e GABA; a inibição da atividade da monoaminoxidase (IMAO) também contribui para o efeito antidepressivo). Tónica sobre o sistema nervoso central, acalmando os nervos e diminuindo a irritação e o stress. Atua sobre a hormona melatonina. Antiespasmódica e analgésica. Antiviral e antibacteriana, particularmente contra microrganismos Gram+. Antioxidante e anticancerígena. Anti-inflamatória e cicatrizante. Beneficia a circulação sanguínea ao atuar sobre as artérias, veias e capilares. Auxilia a digestão e melhora a actividade da vesícula biliar. Diurética. Vermífuga, ajuda a expelir os vermes parasitas do intestino.
Uso externo
Anti-séptica, adstringente e anti-inflamatória. Cicatrizante, acelera a reparação dos tecidos. Antioxidante. Antiespasmódica. Beneficia a circulação sanguínea ao atuar sobre as artérias, veias e capilares.

Indicações terapêuticas
Uso interno
Atualmente, a sua maior utilização é na depressão leve a moderada (diversos estudos clínicos comprovam a sua eficácia, comparável às moléculas de síntese e com menor número de efeitos secundários). Ansiedade, agitação nervosa, irritabilidade, mau humor de caráter depressivo. Perturbações do sono (insónia, pesadelos). Perturbações neurovegetativas associadas ao climatério. Esgotamento nervoso e cansaço devido a diferenças horárias. Enurese. Dispepsia e cólicas gastrintestinais. Gastrite, úlceras gastroduodenais. Dores musculares, nevralgias e ciática.
Mais em medicina popular, é ainda utilizado na asma e catarro dos brônquios, frigidez e impotência, reumatismo e parasitas intestinais.
Uso externo
Feridas, contusões, hematomas. Queimaduras de 1º e 2º grau pouco extensas, cicatrizes pós-operatórias. Entorses, dores musculares, nevralgias. Eczemas. Peles secas, peles sensíveis, peles inflamadas.

Hipericão, EN120 - Odemira / S. Teotónio (Maio 2006)

Como tomar
Infusão: 1 colher de chá por chávena de água fervente. Tomar 2 a 3 chávenas por dia, fora das refeições.
Na depressão, o seu efeito pode demorar 2 a 4 semanas a manifestar-se. A duração do tratamento não deve exceder os 4 meses.
A infusão também pode ser utilizada externamente, em lavagens e compressas.

Receita: Óleo de Hipericão (maceração em azeite ou extrato oleoso)
          500 gramas de partes aéreas floridas frescas
          1 litro de azeite
Num frasco de vidro transparente colocam-se a planta e o azeite. Tapa-se bem e agita-se. Põe-se o frasco em local solarengo durante 3 semanas. Diariamente, vai-se agitando e rodando o frasco. Por fim, coa-se e deita-se o óleo num frasco de vidro escuro e bem rolhado.
Indicações: Todas as afeções referidas para o uso externo.
Também pode ser utilizado internamente, em infusão: 1 colher de sopa para 1/2 litro de água fervente. Tomar 2 vezes por dia. Nas gastrites e úlceras gastroduodenais.

Precauções
Evitar a exposição prolongada à luz solar pois pode provocar, em peles sensíveis, fotossensibilização, que se manifesta através de pequenas queimaduras (devido à hipericina).
Evitar ingerir alimentos ou plantas que contenham tiramina. A associação de antidepressivos IMAO com esta amina pode originar uma crise hipertensiva. Algumas fontes de tiramina: queijos curados, carnes fumadas, abacate, Cardo-mariano (Silybum marianum) e Bolsa-de-pastor (Capsella bursa-pastoris).
Contra-indicado na gravidez e aleitamento.
O seu metabolismo no fígado interfere com o de diversos medicamentos, inclusive contraceptivos orais e antidepressivos tricíclicos, diminuindo a sua concentração sanguínea, pelo que, nestes casos, só deverá ser tomado após a consulta de um profissional.
Embora raros, foram descritos alguns efeitos secundários: perturbações gastrintestinais, alergias e cansaço.

Observações
O Hipericão não deve ser confundido com o Hipericão-do-Gerês, Hypericum androsaemum L., outra relíquia da nossa flora de que falarei mais tarde.

A Farmacopeia Portuguesa 9 (2008, Ed. Infarmed), inscreve a monografia de sumidades floridas secas, inteiras ou fragmentadas, colhidas durante a floração de Hypericum perforatum L. São ainda de referir as suas monografias da OMS (World Health Organization), ESCOP (European Scientific Cooperative on Phythoterapy) e Comissão E Alemã (da German Federal Office for Phytotherapeutic Substance), para só citar algumas.
A Farmacopeia Portuguesa inscreve ainda a monografia Hipericão para preparações homeopáticas.

Este blogue apenas pretende sensibilizar para a observação das plantas medicinais e divulgar a sua utilização, não tendo a intenção de promover a auto-medicação nem a colheita de espécies.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ginkgo - Um pouco da sua história

Ginkgo biloba, Jardim da Marginal, Viana do Castelo (Setembro 2010)

Quando um dia me perguntaram se eu já tinha visto a Ginkgo biloba de Viana do Castelo fiquei surpreendida. Desconhecia a sua existência... De facto, o meu olhar atento ainda não se tinha cruzado com ela, talvez por me encontrar nesta cidade há pouco tempo. Irresistível, procurei-a. É impossível não ficar fascinada perante uma espécie considerada como um fóssil vivo, cuja existência na Terra remonta aos 300 milhões de anos e que terá sido contemporânea dos Dinossauros!


Um pouco da sua história
Também referida como Gincgo, Nogueira-do-Japão ou Árvore-cabelos-de-Vénus, a Ginkgo biloba L. é a única espécie sobrevivente do género Ginkgo, família das Ginkgoaceae, sendo considerada a mais antiga espécie actualmente existente no planeta. A sua longevidade pode atingir o milhar de anos.

Originária da China, Japão e Coreia existiu na Europa Central até há 30 milhões de anos tendo retrocedido até ao Sudeste Asiático durante a Era Glaciar. Por volta do ano 1100 d.C. os monges budistas reconheceram o seu valor medicinal e ornamental, e a Ginkgo permaneceu nos seus templos, sendo  considerada uma árvore sagrada no Oriente. Refira-se que, para além do seu porte que chega, quando adulta, aos 40 metros de altura e cerca de 4 metros de perímetro do tronco, a sua a folhagem adquire uma tonalidade dourada de grande beleza no Outono.

Julgada extinta, a Ginkgo foi redescoberta no Japão em 1691. Foi descrita pela primeira vez em 1712 pelo médico e botânico alemão Engelbert Kaempfer que aí se encontrava ao serviço da Companhia Holandesa das Índias Orientais (1690-91). Devido a um erro ortográfico alterou o seu nome original, Ginkyo, que em japonês significa Alperce-de-prata. Em 1771, Lineu utiliza o nome Ginkgo para designar o género e o termo biloba, numa alusão à forma característica das suas folhas, com dois lobos, para designar a espécie.

Muito provavelmente foi também Engelbert Kaempfer que em 1750 trouxe de novo a Ginkgo para a Europa, onde foi muito bem acolhida pois estava muito em voga uma concepção exótica dos jardins. O primeiro exemplar foi semeado no Jardim Botânico de Utrecht (Holanda) e ainda hoje pode ser observado. Por volta do ano 1800 estava já aclimatada em toda a Europa. Em 1815, no seu ciclo de poemas Divã Ocidental-Oriental Goethe imortalizou-a ao escrever um poema sobre a unidade-dualidade, simbolizada na sua folha bilobada.


Pormenor da folha em leque de Ginkgo biloba
Jardim da Marginal, Viana do Castelo (Setembro 2010)


Foi um broto de uma árvore de Ginkgo o primeiro sinal de vida após a explosão da bomba atómica na cidade de Hiroshima a 6 de Agosto de 1945. Toda a flora e fauna da cidade fora destruída e, na Primavera do ano seguinte, rebentou uma nova planta que cresceu e se desenvolveu com todas as caraterísticas habituais para a sua espécie. Esta enorme robustez e resistência é uma das suas características, sendo considerada como Fonte de Juventude.

A Ginkgo não é susceptível a doenças, sendo resistente a pragas de insectos e outros microrganismos danosos, bem como à poluição ambiental das grandes cidades actuais. Por este facto e, pela sua beleza ornamental, tem sido cada vez mais plantada um pouco por todo o mundo, em jardins e ao longo das ruas de tráfego intenso, em grandes cidades como Nova Iorque e Tóquio, e mesmo em Lisboa e Porto.

Esta sua crescente procura tem levantado uma questão. A Ginkgo apresenta árvores masculinas e árvores femininas e sua polinização é feita pelo vento, ou seja, é necessário que o vento transporte o pólen de uma árvore masculina para uma árvore feminina nas proximidades para que esta última produza os frutos. Acontece que os frutos da Ginkgo, quando maduros, emanam um odor desagradável e as árvores femininas têm sido preteridas em função das masculinas. A sua reprodução é então assegurada em viveiro, quase sempre de forma assexuada, de que resultam novas árvores que são clones. Isto provoca, inevitavelmente, um empobrecimento do património genético da espécie...

A Ginkgo faz parte do milenar arsenal terapêutico da Medicina Tradicional Chinesa, sendo mencionada desde o ano 2800 a.C. Segundo os livros antigos, os Pents'ao, era utilizada para aumentar a longevidade, como tónico para o coração e pulmões, na asma, para melhorar a performance sexual e no tratamento de feridas. Era uma planta de tal forma prestigiada que as suas folhas chegaram a ser moeda de troca. No Ocidente, foi apenas na década de 1960 que foi descoberta por investigadores alemães pela sua acção vasodilatadora. Desde então tem sido alvo de inúmeros estudos científicos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Ginkgo - Utilização medicinal

Pormenor do tronco de Ginkgo biloba
Jardim da Marginal, Viana do Castelo (Setembro 2010)




Parte utilizada
Folhas.

Composição
Em fitoterapia, os efeitos terapêuticos de uma planta resultam da sinergia dos seus constituintes. No entanto, a investigação realça os flavonóides (ginkgoflavonoglicósidos, quercetina, derivados da rutina), as lactonas terpénicas (ginkgólidos, bilobalido) e as proantocianidinas.

Acções medicinais
Vasodilatadora cerebral e periférica, aumenta a circulação sanguínea e a oxigenação dos tecidos. Aumenta a resistência e diminui a permeabilidade dos vasos sanguíneos. Antioxidante, complexa radicais livres nocivos e previne a peroxidação lipídica. Inibe o factor de activação das plaquetas (PAF), interferindo positivamente em diversos processos fisiológicos como a agregação das plaquetas e a formação de trombos, a inflamação e a alergia. Protege o tecido nervoso e evita a perda de memória e das funções cognitivas. Reduz o edema e as lesões na retina.
Uso externo

Vasodilatadora periférica, aumenta a circulação sanguínea e a oxigenação dos tecidos, atuando ainda ao nível da microcirculação. Aumenta a resistência e diminui a permeabilidade dos capilares. Previne a peroxidação lipídica causada pelos radicais livres, evitando o envelhecimento da pele e a formação de rugas.

Indicações terapêuticas
Melhorar a memória, a concentração e a capacidade de aprendizagem.
Insuficiência circulatória cerebral (perda de memória, dificuldades de concentração, ansiedade, depressão, tonturas, vertigens, zumbidos nos ouvidos, dores de cabeça, enxaquecas). Demência senil e doença de Alzheimer. Doença de Parkinson, esclerose múltipla, surdez neuro-sensorial. Sequelas de AVC. Insuficiência circulatória periférica, claudicação intermitente, complicações vasculares da diabetes mellitus, doença oclusiva arterial periférica, doença de Raynaud. Prevenção da arteriosclerose e da formação de trombos, cardiopatias isquémicas. Hipertensão arterial. Impotência. Asma. Glaucoma.
Uso externo

Peles sensíveis e envelhecidas. Caspa. Celulite.

Como tomar
Infusão: 1 colher de sobremesa por chávena de água fervente. Tomar 2 chávenas por dia, após as refeições. Fazer tratamentos de 6 a 8 semanas seguidas de 4 semanas de descanso.

Precauções
Doses elevadas podem provocar dores de cabeça, transtornos gastrintestinais ligeiros, reacções alérgicas da pele.
Contra-indicada na gravidez e aleitamento.
Pode interagir com antiagregantes plaquetários.
Os frutos, por contacto ou ingestão, podem provocar reacções alérgicas.
 
Observações
Apesar de, tradicionalmente, não ter utilização medicinal em Portugal, a Farmacopeia Portuguesa 9 (2008, Ed. Infarmed), inscreve a monografia de folha seca, inteira ou fragmentada, de Ginkgo biloba L. São ainda de referir as suas monografias da OMS (World Health Organization), ESCOP (European Scientific Cooperative on Phythoterapy) e Comissão E Alemã (da German Federal Office for Phytotherapeutic Substance), para só citar algumas.

Este blogue apenas pretende sensibilizar para a observação das plantas medicinais e divulgar a sua utilização, não tendo a intenção de promover a auto-medicação nem a colheita de espécies.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Minha Botica


Botica: Designação em desuso de um local onde se fazem remédios.
Antes do advento da indústria farmacêutica os remédios eram feitos sobretudo com as plantas. O boticário sabia indicar e preparar para cada situação a erva ou a mistura de ervas mais indicada. Este saber não se perdeu no tempo, antes se perpetuou de geração em geração, não só através de uma sabedoria popular como também de um conhecimento académico.
Actualmente, as plantas medicinais são cada vez mais procuradas, qual elo que nos enraíza num mundo cada vez mais em constante mudança. De tal forma, que algumas se encontam em risco de extinção... Partilhamos com elas uma longa História na Terra, uma mesma biologia.
Um dia, alguém excitadíssimo num passeio pedestre, me questionava: "Mas, onde é que estão as plantas medicinais?". Elas estão em todo o lado, nós as saibamos ver e... apreciar.
Esta é pois a minha botica, uma porta aberta para o mundo que me rodeia.