terça-feira, 20 de setembro de 2011

Dente-de-leão - Um pouco da sua história

Dente-de-leão: As flores são liguladas e formam
um capítulo solitário, o pedúnculo é oco
Areosa / Viana do Castelo (Fevereiro de 2007)

Planta de flores amarelas completamente banal, feinha, confundindo-se, para quem não a conhece, com tantas outras que se lhe assemelham mas não o são, inconfundível e bela para quem a observa, o Dente-de-leão tem uma vasta distribuição por todo o mundo, e é uma verdadeira relíquia entre a flora medicinal. Versátil, muito útil e popular, é uma excelente planta para iniciar um tratamento, já que se trata de um dos mais eficazes desintoxicantes em botânica medicinal. Mas as suas virtudes não se ficam por aqui!

                                          O dente-de-leão
                                          Se pensas que eles são
                                          imóveis como as pedras,
                                          estás muito enganado.
                                          Olha um dente-de-leão,
                                          a aterrar de pára-quedas,
                                          acolá naquele prado!
                                                             Poema de Jorge Sousa Braga, em Herbário, Assírio & Alvim, Setembro 2009

Um pouco da sua história
O Dente-de-leão é uma planta nativa do hemisfério Norte, aclimatada na América do Sul, sendo espontânea em Portugal. Encontra-se com frequência em lugares húmidos, espaços arrelvados, jardins, campos cultivados, prados, hortas, terrenos baldios, beira dos caminhos e até entre as pedras das calçadas nas cidades.
É também conhecido por Taráxaco, Taraxaco, Coroa-de-monge, Amor-dos-homens, O-teu-pai-é-careca, Serralha, Frango, Quartilho, Bufas-de-lobo, tendo como nome botânico Taraxacum officinale Weber ex Wiggers (= Leontodon officinale With. = Leontodon taraxacum L. = Taraxacum officinale (With.) Wigg. = Taraxacum dens leonis Desf. = Taraxacum vulgare Schrank). Pertence à família das Asteraceae (Compositae).

Dente-de-leão, cabeça de sementes
Melgaço (Abril 2007)

O seu nome botânico, Taraxacum, deriva do árabe, tarakshaqum, que significa erva amarga. O nome popular Dente-de-leão parece ter origem no aspecto da planta: as suas folhas são profundamente dentadas e as flores amarelas assemelham-se a uma juba de leão. Quando se formam as sementes, surge uma penugem que voa facilmente com um sopro, expondo algo semelhante a uma cabeça rapada, o que explica a origem de um outro nome popular, Coroa-de-monge.
Se para a planta o facto das sementes serem dispersas facilmente pelo vento facilita a sua disseminação, para as pessoas constitui um motivo para inúmeras tradições, sempre relacionadas com o acto de soprar. O-teu-pai-é-careca, para além de ser um outro nome pelo qual é conhecida, é também um jogo infantil que nos diz se o pai da criança a quem se faz esta pergunta é careca ou não. Consultando-a como um oráculo podemos ficar a saber quantos anos faltam para o casamento de alguém, se o casamento vai ser feliz, quantos filhos vai ter, quantos mais anos vai viver, etc. Consultando-a como um barómetro podemos ainda ficar a saber se vai chover. Para tudo isto basta apenas soprar. E interpretar os resultados, claro!
Em francês é conhecida pelo curioso nome de Pissenlit que, para quem não sabe, significa literalmente urinar na cama, numa alusão à sua actividade diurética.

A utilização medicinal do Dente-de-leão é muito antiga. O uso das folhas, como diurético, é muito anterior ao das raízes, boas para o fígado. Muito elogiado pelos antigos médicos árabes Rhazes e Avicena, nos séculos X e XI, foi também recomendado no herbário da escola de Myddfai, no País de Gales, no século XIII e referido em todos os bons tratados de botânica médica da Idade Média. No século XVI, Bock, importante botânico alemão, considerava-o um diurético, e Tabernaemontanus, médico e naturalista alemão, seu discípulo, considerava-o um vulnerário. Posteriormente o seu prestígio como erva medicinal parece ter decaído, mas no início do século XX o reconhecimento das suas propriedades medicinais foi tal que qualquer tratamento em que era utilizado se chamava taraxoterapia.

As flores de Dente-de-leão são melíferas
e as folhas são aprecidas pelos herbívoros
CM 1159 - Daroeiras / Entrada da Barca,
Odemira (Fevereiro de 2006)

O Dente-de-leão é também usado como alimento. As folhas tenras, colhidas na Primavera, são muito nutritivas e boas para saladas. Com elas pode-se fazer sopa e, depois de cozidas e reduzidas a puré, servem de acompanhamento. Os botões florais também são comestíveis e podem ser cozinhados como a Alcaparra.
As raízes de plantas com 2 ou 3 anos, secas, moídas e tostadas são utilizadas em substituição do café - à semelhança da Chicória-, beneficiando o fígado e a vesícula, aumentando a vitalidade e melhorando a concentração mental.
As flores são usadas para fazer vinho e bebidas alcoólicas fortes.
O Dente-de-leão encontra-se registado como aromatizante natural no Conselho Europeu.

Dente-de-leão, raízes e folhas

O Dente-de-leão cresce um pouco por todo o lado, ao longo de todo o ano
As suas folhas são em roseta basilar
R. Manuel Fiuza Júnior, Viana do Castelo (Janeiro 2008)

Parte utilizada
Raízes e folhas (partes aéreas), secas ou frescas (mais activas). As raízes deverão ser de plantas com dois ou três anos. O látex também é usado.


Composição
Em fitoterapia, os efeitos terapêuticos de uma planta resultam da sinergia dos seus constituintes. No entanto, a investigação realça os constituintes amargos (lactonas sesquiterpénicas, taraxacósido), compostos fenólicos (flavonóides e ácidos fenólicos), triterpenos e esteróis (fitosteróis e carotenóides), inulina e mucilagem, e potássio. São ainda de referir a pectina, os ácidos gordos (linoleico, linolénico, oleico e palmítico), aminoácidos (asparagina, tirosina), vitaminas (A, B1, B2, colina, C, D) e outros sais minerais (cálcio, ferro, silício, magnésio, sódio, zinco, manganésio, cobre, fósforo).

As raízes apresentam maior quantidade de constituintes amargos do que as folhas. As folhas são mais ricas em sais minerais do que as raízes.

Acções medicinais
Uso interno
Planta metabólica, actua em todo o aparelho digestivo e suas glândulas, estimulando e melhorando todo o metabolismo. Amarga, estimula a secreção de saliva e de suco gástrico, aumentando o apetite e favorecendo a digestão (tónico amargo digestivo). Colerética e colagoga, estimula a secreção de bílis pelo fígado e a sua evacuação da vesícula biliar para o duodeno, favorecendo a digestão das gorduras. Desintoxica, descongestiona e tonifica o fígado. Previne e facilita a dissolução de cálculos na vesícula biliar. Favorece o pâncreas endócrino, estabilizando os níveis de açúcar no sangue e prevenindo as suas flutuações. Depurativa, tem acção diurética, laxativa e sudorífica. A actividade diurética é dependente da dose, comparável a furosemida (Lasix), e ocorre sem perda de potássio. Ao aumentar a eliminação de líquidos contribui ainda para a perda de peso. Desintoxica e tonifica os rins. Previne e facilita a dissolução de cálculos renais e vesicais. Anti-reumática. Anti-inflamatória e protectora do tecido conjuntivo. Febrífuga e antiescorbútica.
As raízes têm maior actividade sobre o fígado e vesícula e as folhas como diurético.
Uso externo
Protectora, suavizante e estimulante sobre o tecido cutâneo.


Indicações terapêuticas
Uso interno
Como aperitivo na perda de apetite e anorexia. Como digestivo na dispepsia (enfartamento, flatulência, digestões lentas). Afecções hepáticas (sensibilidade à comida, mau funcionamento do fígado, fígado gordo, icterícia, hepatite, congestão hepática, insuficiência hepática). Afecções da vesícula e canais biliares (inflamação da vesícula e/ou das vias biliares, cálculos na vesícula, alterações do fluxo biliar). Excesso de colesterol, hemorróidas. Diabetes. Na desintoxicação geral do organismo, quando há infecções recorrentes, alergias, e especialmente, em tratamentos de fundo nas afecções da pele (acne, furúnculos, eczema, psoríase). Como diurético (limpeza das vias urinárias, edemas, hidropesia, prostatismo, obesidade acompanhada de retenção de líquidos, síndrome pré-menstrual, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, gota). Afecções dos rins, bexiga e vias urinárias (cálculos renais e vesicais, infecções urinárias, sífilis). Reumatismo. Obstipação. Como anti-inflamatório na colite, aliviando a dor, obstipação e diarreia.
Uso externo
Como suavizante da pele, para eliminar pontos negros e nas peles envelhecidas. Na remoção de calos e verrugas.


Pormenor das folhas de Dente-de-leão
Melgaço (Abril 2007)

Como tomar
Uso interno

Cozimento das raízes e/ou folhas: 1 a 2 colheres de chá por chávena de água, 3 minutos de fervura. Tomar 3 chávenas por dia, antes das refeições. Esta tisana pode ser precedida de uma maceração de 15 a 30 minutos.
Infusão das raízes e/ou folhas: 1 a 2 colheres de chá por chávena de água fervente, 10 minutos de infusão. Tomar 3 chávenas por dia, antes das refeições.
Fazer tratamentos durante pelo menos quatro a seis semanas. Em tratamentos prolongados podem fazer-se 9 dias de tratamento seguidos de três dias de descanso.
Como aperitivo e como digestivo deve ser tomado na forma de tisana pois a sua acção deve-se ao sabor amargo que apresenta.
Como depurativo do sangue, na drenagem das vias urinárias e na sífilis pode ser associado à Chicória.
Nas afecções da pele pode ser associado à Bardana e à Equinácea.
Suco das folhas frescas: Tomar 2 a 3 colheres de sopa, uma vez por dia, durante 2 a 3 semanas. Para a extracção do suco, borrifar as folhas. O suco pode ser diluído em água.
Uso externo
Cozimento das raízes: 200 gramas por litro de água. Em banhos, lavagens e compressas.
Látex: Aplicar topicamente a parte inferior do talo da flor. Na remoção de calos e verrugas.

Receita: Salada com folhas de Dente-de-leão
           Folhas de Dente-de-leão
           Pétalas de Calêndula
           Flores de Borragem
Depois de lavar, colocar as folhas numa saladeira e enfeitar com as flores e as pétalas. Temperar a gosto.
Indicações: Na desintoxicação geral do organismo (cura primaveril).

Precauções
O Dente-de-leão é considerado de muito baixa toxicidade, podendo ser utilizado em tratamentos prolongados. No entanto, não se recomenda durante a gravidez e o aleitamento.
Contra-indicado na obstrução das vias biliares, sobretudo as raízes.
Pode causar hiperacidez e azia em pessoas sensíveis, devido ao seu conteúdo em constituintes amargos. Este efeito pode ser atenuado associando-se Alteia.
Pode provocar reacções alérgicas de contacto.
Devido à acção diurética, especialmente no caso das folhas, deve ter-se em atenção que pode causar descompensações em pessoas que tomam cardiotónicos ou sejam hipertensas.



Dente-de-leão, CM 1159 - Daroeiras / Entrada da Barca, Odemira (Fevereiro de 2006)

Observações
Em fitoterapia chinesa é utilizada uma planta aparentada, Pu Gong Ying, Taraxacum mongolicum, para eliminar calor e reduzir a toxicidade, sobretudo do fígado.

Sobre o Dente-de-leão, Taraxacum officinale Weber ex Wiggers, são ainda de referir as monografias da OMS (World Health Organization), planta inteira, ESCOP (European Scientific Cooperative on Phythoterapy), raízes e folhas, e Comissão E Alemã (da German Federal Office for Phytotherapeutic Substance), raízes e folhas.
É também utilizado em Homeopatia e em Terapia Floral (Florais da Califórnia).

Este blogue apenas pretende sensibilizar para a observação das plantas medicinais e divulgar a sua utilização, não tendo a intenção de promover a auto-medicação nem a colheita de espécies.