quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Hipericão

Hipericão, Av. da Abelheira, Viana do Castelo (Maio 2007)

Planta muito cosmopolita, o Hipericão não escolhe continentes nem países. Originário da Europa e Ásia Ocidental encontra-se atualmente nas regiões temperadas de vários continentes. Em Portugal cresce por todo o território, sendo muito frequente encontrá-lo em terrenos incultos, nas margens das estradas e dos caminhos, formando moitas amarelas, compactas e vistosas. Gosta de locais solarengos.

Os seus muitos nomes comuns reflectem a sua popularidade e abrem-nos uma grande janela para a sua utilização que, à luz dos conhecimentos atuais, melhor podemos compreender. Utilizado medicinalmente há 2000 anos, simboliza a protecção.


Um pouco da sua história
Também conhecido como Erva-de-São-João, Hipérico, Hipericão-vulgar, Hipericão-bravo, Hipericão-europeu, Hipericão-Kneipp, Hipericão-milfurada, Milfurada, Malfurada, Pericão e Pelicão, o Hipericão é uma planta da família das Clusiaceae (Guttiferae ou Hypericaceae), e uma das mais de 370 espécies do género Hypericum distribuídas pelo mundo. O seu nome botânico atual é Hypericum perforatum L.

As suas pequenas folhas são orladas de inúmeros pequenos pontos translúcidos (sem clorofila), visíveis em contraluz, dando a impressão de que estão furadas. Esta particularidade deu origem aos nomes populares de Milfurada ou Malfurada, bem como à designação da espécie (perforatum). Na realidade, o que podemos observar através destes pequenos pontos são glândulas que segregam um óleo essencial cor de rubi.

O nome Hypericum deriva do grego, hyper (sobre, excesso) e eikon (imagem), sugerindo-nos algo que está para além da imagem, da realidade, e reportando-nos para um certo misticismo. Ainda antes do Cristianismo já o Hipericão era utilizado para afastar os maus espíritos, tradição que perdurou ao longo dos séculos.

Pormenor das flores amarelas de Hipericão,
em forma de estrela e com numerosos estames compridos
Av. da Abelheira, Viana do Castelo (Maio 2007)

Os Assírios designavam-no por Piri, e penduravam-no por cima das portas para afastar os espíritos malignos. Na Idade Média, em grinaldas ou amuletos e colocado em diferentes locais estratégicos, o Hipericão era utilizado em rituais para garantir colheitas abundantes, proteger o gado de doenças, defender as casas dos incêndios, garantir a pontaria das armas dos soldados ou proteger as mulheres dos violadores. Acreditava-se que o seu poder era tão grande que até afugentava os demónios que assaltavam vítimas inocentes, o que originou uma outra designação para a planta, Fuga daemonum.

Sobre o nome Erva-de-São-João várias são as lendas. É no dia de S. João (24 de Junho) que se encontra em plena floração e em que são feitas as melhores colheitas. Consta que, é nesta altura que a planta apresenta a sua ótima composição assegurando os maiores benefícios. É também no solstício de Verão, que as energias do dia e da noite se equilibram, e a partir do qual se intensificam os raios de Sol que afugentam o mau tempo, a escuridão e o mal...
Outra lenda diz-nos que os primeiros missionários cristãos dedicaram a planta a S. João Batista fazendo-a sangrar no aniversário da sua decapitação. Uma outra, conta-nos que o Hipericão nasceu do sangue derramado por S. João Batista quando foi decapitado. De facto, quando a planta é triturada liberta um líquido avermelhado (óleo essencial). Outra lenda ainda, refere que este líquido avermelhado simbolizava o sangue derramado por Cristo.

Medicinalmente, a utililização do Hipericão remonta à Antiguidade Clássica, tendo sido usado pelos médicos da Grécia e Roma antigas para cicatrizar feridas. Alcançou grande protagonismo na Idade Média, sendo referido no Manuscrito de Salerno, De Simplici Medicina, da autoria de Platearius (séc. XII).
Paracelso, médico, filósofo e alquimista suiço do século XVI, escreveu: "É impossível encontrar-se um remédio melhor para as feridas em qualquer outro país". Pensa-se que também o utilizou para o humor, a hiperexcitabilidade e a melancolia.
Faz parte do Bálsamo do Comendador de Pernes (séc. XVII). Justinus Kerner, médico e poeta alemão (1786-1862), referiu a sua utilização no início do século XIX no tratamento de perturbações do humor.

Pormenor das folhas de Hipericão
Av. da Abelheira, Viana do Castelo (Junho 2007)

Parte utilizada
Partes aéreas floridas.

Composição
Em fitoterapia, os efeitos terapêuticos de uma planta resultam da sinergia dos seus constituintes. No entanto, a investigação realça as naftodiantronas (hipericinas), os derivados do floroglucinol (hiperforinas), os flavonóides (hiperósido, rutósido, quercitrósido) e as proantocianidinas (catequina, epicatequina), os taninos e o óleo essencial. A hipericina é a responsável pela cor vermelha dos extratos de Hipericão.

Acções medicinais
Uso interno
Antidepressiva (tem como principal mecanismo de ação a inibição inespecífica da recaptação da serotonina, noradrenalina, dopamina e GABA; a inibição da atividade da monoaminoxidase (IMAO) também contribui para o efeito antidepressivo). Tónica sobre o sistema nervoso central, acalmando os nervos e diminuindo a irritação e o stress. Atua sobre a hormona melatonina. Antiespasmódica e analgésica. Antiviral e antibacteriana, particularmente contra microrganismos Gram+. Antioxidante e anticancerígena. Anti-inflamatória e cicatrizante. Beneficia a circulação sanguínea ao atuar sobre as artérias, veias e capilares. Auxilia a digestão e melhora a actividade da vesícula biliar. Diurética. Vermífuga, ajuda a expelir os vermes parasitas do intestino.
Uso externo
Anti-séptica, adstringente e anti-inflamatória. Cicatrizante, acelera a reparação dos tecidos. Antioxidante. Antiespasmódica. Beneficia a circulação sanguínea ao atuar sobre as artérias, veias e capilares.

Indicações terapêuticas
Uso interno
Atualmente, a sua maior utilização é na depressão leve a moderada (diversos estudos clínicos comprovam a sua eficácia, comparável às moléculas de síntese e com menor número de efeitos secundários). Ansiedade, agitação nervosa, irritabilidade, mau humor de caráter depressivo. Perturbações do sono (insónia, pesadelos). Perturbações neurovegetativas associadas ao climatério. Esgotamento nervoso e cansaço devido a diferenças horárias. Enurese. Dispepsia e cólicas gastrintestinais. Gastrite, úlceras gastroduodenais. Dores musculares, nevralgias e ciática.
Mais em medicina popular, é ainda utilizado na asma e catarro dos brônquios, frigidez e impotência, reumatismo e parasitas intestinais.
Uso externo
Feridas, contusões, hematomas. Queimaduras de 1º e 2º grau pouco extensas, cicatrizes pós-operatórias. Entorses, dores musculares, nevralgias. Eczemas. Peles secas, peles sensíveis, peles inflamadas.

Hipericão, EN120 - Odemira / S. Teotónio (Maio 2006)

Como tomar
Infusão: 1 colher de chá por chávena de água fervente. Tomar 2 a 3 chávenas por dia, fora das refeições.
Na depressão, o seu efeito pode demorar 2 a 4 semanas a manifestar-se. A duração do tratamento não deve exceder os 4 meses.
A infusão também pode ser utilizada externamente, em lavagens e compressas.

Receita: Óleo de Hipericão (maceração em azeite ou extrato oleoso)
          500 gramas de partes aéreas floridas frescas
          1 litro de azeite
Num frasco de vidro transparente colocam-se a planta e o azeite. Tapa-se bem e agita-se. Põe-se o frasco em local solarengo durante 3 semanas. Diariamente, vai-se agitando e rodando o frasco. Por fim, coa-se e deita-se o óleo num frasco de vidro escuro e bem rolhado.
Indicações: Todas as afeções referidas para o uso externo.
Também pode ser utilizado internamente, em infusão: 1 colher de sopa para 1/2 litro de água fervente. Tomar 2 vezes por dia. Nas gastrites e úlceras gastroduodenais.

Precauções
Evitar a exposição prolongada à luz solar pois pode provocar, em peles sensíveis, fotossensibilização, que se manifesta através de pequenas queimaduras (devido à hipericina).
Evitar ingerir alimentos ou plantas que contenham tiramina. A associação de antidepressivos IMAO com esta amina pode originar uma crise hipertensiva. Algumas fontes de tiramina: queijos curados, carnes fumadas, abacate, Cardo-mariano (Silybum marianum) e Bolsa-de-pastor (Capsella bursa-pastoris).
Contra-indicado na gravidez e aleitamento.
O seu metabolismo no fígado interfere com o de diversos medicamentos, inclusive contraceptivos orais e antidepressivos tricíclicos, diminuindo a sua concentração sanguínea, pelo que, nestes casos, só deverá ser tomado após a consulta de um profissional.
Embora raros, foram descritos alguns efeitos secundários: perturbações gastrintestinais, alergias e cansaço.

Observações
O Hipericão não deve ser confundido com o Hipericão-do-Gerês, Hypericum androsaemum L., outra relíquia da nossa flora de que falarei mais tarde.

A Farmacopeia Portuguesa 9 (2008, Ed. Infarmed), inscreve a monografia de sumidades floridas secas, inteiras ou fragmentadas, colhidas durante a floração de Hypericum perforatum L. São ainda de referir as suas monografias da OMS (World Health Organization), ESCOP (European Scientific Cooperative on Phythoterapy) e Comissão E Alemã (da German Federal Office for Phytotherapeutic Substance), para só citar algumas.
A Farmacopeia Portuguesa inscreve ainda a monografia Hipericão para preparações homeopáticas.

Este blogue apenas pretende sensibilizar para a observação das plantas medicinais e divulgar a sua utilização, não tendo a intenção de promover a auto-medicação nem a colheita de espécies.

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